Editorial
06/03/2011 06:00:01
É até engraçado como essa discussão toma um rumo que eu considero como incompreensível, inadequado e política, social, histórica e filosoficamente incorreto. Mas como o quem vem do humano nada é surpreendente, ainda temos que conviver com pessoas que se comportam como portadores de uma posição unilateral e que quer colocá-la como única e verdadeira.
Agir assim é um passo para se criar ambientes, atitudes e comportamentos totalitário e violentos. É como se tivéssemos que aceitar a existência de uma hierarquia entre os humanos: de um lado, os bons, os superiores e os escolhidos; de outro, os "perturbados", "doentes", "anormais" e que devem ser eliminados, para dizer o mínimo. Portanto, nada é engraçado nessa história. Todavia, é nessa perspectiva que na maioria das vezes os debates (se é que se pode chamar isso de debate) acontecem em relação à nossa sexualidade: se somos heterossexuais ou homossexuais.
A nossa cultura ocidental, branca, cristã e capitalista tem demonstrado e nos ensinado um conjunto de valores que ao invés de nos libertar muitas vezes nos faz um mal danado. Em nome de uma promessa de um mundo santo, divino e imaculado, pessoas e instituições se servem de seu poder e influência para discrimiar, fechando-se à possibilidade de rupturas e condutas renovadas na direção de uma existência bela e feliz, sim, mas sem desconsiderar o caráter dramático da vida. Humanos somos todos nós e contraditórios também.
Não há, logo, porque agirmos tomando as nossas diferenças, as nossas maneiras de ser e de existir, como critério para dizermos que uns são melhores do que outros. Mas quero falar em outra perspectiva sobre isso.
No caso específico da heterossexualidade e homossexualidade, esses dias me surgiu a seguinte ideia, ou seja, que poderíamos fazer um exercício de entender melhor as coisas. E quando nos aproximamos das palavras elas nos surpreendem, como sempre. Pois bem. Etimiologicamente, hetero vem da palavra grega
heteros, que significa "
diferente" e homo vem da palavra
homos, que quer dizer "
mesmo", "
igual".
Assim, se partirmos do que dizem as palavras na sua origem e compararmos com o que fazemos nas nossas relações sociais, é possível pensarmos numa mudança, visto que hetero seria aquele que se adequa (age igual, se adapta) aos valores e aos comportamentos desejados e esperados pela sociedade e pela cultura e homo seria aquele que age diferente, isto é, de maneira divergente ao que é posto e aprendido por nós, se assim é, poderíamos fazer uma inversão: os heterossexuais seriam os homossociais enquanto os homossexuais seria os heterossociais.
É claro que não queremos reduzir a nossa existência ao reino das palavras, mas se forem olhadas com cuidado podem nos instigar a sair de certas posições que nos pareciam cômodas e tranquilas e com as quais vemos o mundo, muitas vezes com preconceito e violência. Portanto, as nossas atitudes cotidianas poderiam ser mais bem temperadas e equilibradas, pois somos diferentes e iguais ao mesmo tempo, o que dá as condições de tratarmos o outro com elegância, atenção e respeito. Se há diferenças entre nós (seja sexual ou social), elas não podem ser motivos de segregação e crueldade, e se somos semelhantes, é essa condição que deve alimentar a nossa convivência.
Alonso Bezerra de Carvalho é professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
E-mail: alonsoprofessor@yahoo.com.br
Fonte:
Diário de Marília